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Tv Globo e “BRASIL: ALÉM DO CIDADÃO KANE” (veja aqui o documentário produzido para a tv britânica Channel 4)

Posted in Censura, Cultura with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on 28/12/2009 by ehlsinore

A HISTÓRIA DO BRASIL RECENTE E A POLÍTICA DAS TELECOMUNICAÇÕES  DE 1950 A COLLOR

“Muito Além do Cidadão Kane” (Brazil: Beyond Citizen Kane), dirigido por Simon Hartog (1940-1992), é um documentário produzido para a tv britânica Channel Four, e não BBC, como aparece às vezes equivocadamente veiculado. Analisando a construção das redes de telecomunicação no Brasil, a obra destaca a maior delas, de propriedade do  empresário Roberto Marinho (1904-2003), a Rede Globo de Televisão, daí a  referência no título a um outro filme, este de ficção.

Cidadão Kane” (Citizen Kane, em lusitano “O mundo a seus pés”, 1941), dirigido e protagonizado pelo cineasta Orson Welles (1915-1985), sobre Charles Foster Kane, um magnata das comunicações, o qual,  dadas as coincidências biográficas, se supos (mas foi sempre negado por Welles) ter sido inspirado em William Randolph Hearst (1863-1951), proprietário de

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diversos jornais e  revistas,  além de várias cadeias de rádio e uma produtora de cinema (a primeira dessas coincidências é a própria palavra Rosebud, em português “botão de rosa”, dita por Kane antes de morrer e mote do filme, era o modo carinhoso de Hearst chamar a parte íntima de sua mulher).

Já Simon Hartog, polêmico diretor, um outsider, da velha escola britânica de documentários, estivera antes em nosso país quando então produziu “Brazil: Cinema, Sex and the Generals” sobre as ‘pornochanchadas’ durante a ditadura pós-1964.

Tendo morrido, após longa enfermidade, antes de ser  exibido esse que foi o seu último trabalho, o projeto passou para   seu sócio e braço-direito na produtora independente Large Door, John Ellis, a quem lhe coube dar continuidade. Assim, Hartog não pode assistir as batalhas jurídicas, travadas no exterior, e as tentativas mais ou menos veladas, no Brasil, de embargo ao filme, acarretando uma febre por cópias do filme em vhs, depois em dvd e na internet. Em agosto de 2009 os  direitos para a exibição do documentário em tv aberta no Brasil foram adquiridos de Ellis pela Rede Record (vide Folha Online).

O documentário tem 103 minutos, dividido em 4 partes, conta com a participação de  artistas, políticos e especialistas (como Dias Gomes, Leonel Brizola, Chico Buarque, Washington Olivetto, Walter Clark, Armando Falcão, Armando Nogueira, Roberto Civita, Antônio Carlos Magalhães dito ACM, Luiz Inácio Lula da Silva, Argemiro Ferreira, Paulo Ramos, Gabriel Priolli e Maria Rita Kehl), com destaque à entrevista de Rômulo Villar Furtado (sobre quem havia suspeição de ligações c/ a Globo e empresas do setor eletro-eletrônico), secretário-geral do Ministério das Comunicações de 1974 a 1990, isto é, nos Governos Geisel, Figueiredo e (Tancredo)Sarney,  pontuando -se os principais acontecimentos políticos da recente história brasileira.

O documentário é dividido em 4 partes:

1ª parte – Aborda o impacto social da  Rede Globo de Televisão (exemplificado no sucesso da Xuxa e das telenovelas) e a relação desta com a Ditadura Militar  (a história das telecomunicações no país) e com o desenvolvimento da propaganda publicitária, ao mesmo tempo que apresenta uma radiografia dos aspectos econômico-sociais do Brasil no início dos anos ’90, passando pela análise dos programas ao vivo, o início da tv no país com a Tupi (1950) e a Excelsior (1959) * e, depois, com a própria Globo (1965) e suas dificuldades iniciais. Termina com a introdução do tema da censura e da repressão ditadoriais (*a Record de 1953 só é mencionada pelos festivais da canção).

2ª parte – Segue com o desfecho do acordo firmado entre a Globo e o Grupo estadunidense Time-Life (empresa norte americana de mídia), a superação dos desafios iniciais e o início do Jornalismo da Globo e de sua rede, avançando-se no tema da censura e da repressão do auge ditadura nos anos ’70 até a sua crise nos anos ’80. Apresenta também momentos significativos da história da telenovela brasileira, a chegada das cores e do “padrão Globo de qualidade”, a transição da Tupi para o SBT e a Manchete, o merchandising e a afirmação da marca “global”.  Conclui com o drama dos meninos de rua.

3ª parte – Enfatiza o poder do proprietário da Rede Globo, Roberto Marinho e o caráter governista de sua tv, mostrando o “apoio” da Rede Globo ao candidato à presidência da República Tancredo Neves, os episódios da NEC-Brasilinvest, da troca de afiliação à Rede Globo da Tv Aratu pela Tv Bahia de ACM com o retorno deste ao governo estadual,  e das mudanças e adaptações advindas com a redemocratização. Análise da estrutura, da eleboração e da recepção do jornalismo da Globo.

4ª parte –  Aprofunda-se o exame da manipulação jornalística da Globo a partir da análise de quatro casos memoráveis:  o surgimento do novo sindicalismo no ABC paulista e a repressão da greve por ele promovida em 1979 com a prisão de Lula; as eleições para governador no RJ em 1982 e a tentativa de fraude no resultado das urnas; a cobertura das manifestações populares da Campanha das Diretas Já; a eleição presidencial de 1989 e o debate televisivo Lula vs. Collor. Conclui o documentário com a proposição de um questionamento.

Entre uma e outra parte há um intervalo de até cerca de dois minutos.

“O Estado de S.Paulo de 09/06/1993. Recordar é viver:

‘PT mostra na Câmara documentário da TV inglesa sobre a Globo (Brasília, 9/6/93). A fita de vídeo ‘Brasil: Além do Cidadão Kane’, documentário produzido pela televisão inglesa ‘Channel Four’ sobre a Rede Globo, foi exibida hoje no espaço cultural da Câmara dos Deputados para uma platéia formada por políticos e jornalistas. A sessão foi promovida pelo PT e o deputado Luiz Gushiken (PT-SP), que conseguiu a fita na Inglaterra e encaminhou hoje uma cópia do programa para a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara.

Com base no documentário, que denuncia as ligações da Globo com os militares, Gushiken vai encaminhar uma representação à Procuradoria-Geral da República para que a emissora do empresário Roberto Marinho seja enquadrada no artigo 220 da Constituição, por formação de monopólio e oligopólio…’

É, o mundo dá mesmo muitas voltas! Quem diria, hein? Os partidos e os políticos mudam, mas a verdade é que o vídeo de Simon Hartog continua ‘censurado’. Trata-se de um documento fundamental para entendermos o Brasil e a nossa TV. Uma referência importante para a formação das novas gerações de brasileiros e de jornalistas que não têm a menor idéia do passado do nosso principal meio de comunicação.

O documentário envelheceu, mas ainda contém uma coletânea de informações preciosas sobre a História da TV brasileira. É uma visão de um cineasta estrangeiro de um Brazil com Z. Mas a vantagem é que o Simon Hartog não tinha sido ‘hipnotizado’ ou se intimidado pelo poderio das imagens da nossa televisão. Hartog, certamente, estava ‘muito além do nosso cidadão Kane’. Como era de se esperar, ele morreu alguns meses após a exibição do seu polêmico documentário. Para nós brasileiros, espero que tenha valido a pena.”  (Antônio Brasil, “Documentário proibido completa 10 anos”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 11/7/03, vide a íntegra do artigo em Observatório da Imprens.)